Democracia da Cultura e Democratização Cultural: Significados e Aplicações no Museu Campos Gerais*


Ivana Faustino**
Larissa Lorena***

Um dos aspectos importantes a serem refletidos sobre políticas culturais se relaciona à compreensão dos termos democratização e redemocratização. O paradigma entre estas duas concepções além de apresentar diferenças entre si, dão-nos pistas interessantes para discutir sobre as noções de cultura e público e a relação entre cultura e Estado.

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A França é considerada o berço das Políticas Culturais, com a criação, em 1959, do Ministério dos Assuntos Culturais, com direção do escritor André Malraux. A partir deste ministério, ações voltadas ao acesso do público a espaços culturais, bem como o estímulo a uma maior frequência de eventos, foram prioridades da iniciativa pública.

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Essa prioridade de ações apesar de num primeiro momento soar como uma preocupação importante, reforçou um pensamento equivocado sobre cultura erudita e a classe popular. Isso porque, acreditava-se que a ausência de espaços culturais, e o elevado valor dos ingressos, poderiam ser os maiores empecilhos, de origem material, para o abismo existente entre a cultura erudita e a classe popular. Entretanto, como reforça Botelho1: “a prática redundou numa falsa democratização, pois baseava-se na crença da aptidão natural do ser humano em reconhecer ‘o belo’ e ‘a verdade’, apenas pela possibilidade de ter acesso às instituições da cultura erudita”.

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Dessa maneira, o contexto mencionado acabou por colocar um único tipo de cultura como merecedora de incentivo e difusão, e normalmente associado à cultura erudita. Esse modelo de democratização cultural trouxe uma visão colonial de que é missão de um grupo seleto “levar cultura” às classes populares como forma de incluí-las no tecido social.

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Bourdieu, interessado em compreender melhor o contexto de acesso às obras de arte por parte do público, acabou por constatar que há um paradigma nesta ideia de democratização da cultura. A gratuidade não se tornou suficiente para que o indivíduo se sentisse legitimado a frequentar e consumir determinados bens, sendo necessários formação e empoderamento do público.

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O paradigma da democratização cultural tem como objetivo proporcionar o acesso à cultura e às artes para todos, independentemente de sua classe social, etnia, gênero ou idade. Esse paradigma busca, assim, ampliar as oportunidades para que a população possa participar e conhecer a diversidade cultural de sua região, país e mundo. De acordo com Lacerda2, para que o paradigma da democratização cultural e a democracia da cultura sejam alcançados, é necessário que as políticas públicas de cultura considerem a participação da sociedade civil, além de garantir o acesso à cultura e às artes para todos, por meio de ações que promovam a diversificação de linguagens e formas de expressão cultural.

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Diferentemente da democratização, a democracia cultural refere-se ao processo de participação cidadã na produção e consumo cultural, em que os espaços culturais se tornam locais de circulação de ideias, saberes, experiências e expressões culturais diversas. Os espaços culturais assumem, portanto, uma função social importante, pois promovem a inclusão, o diálogo e a valorização da diversidade cultural.

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Os espaços culturais, como museus, teatros, cinemas, bibliotecas e centros culturais, desempenham papel fundamental na democratização da cultura, pois são locais que proporcionam ao público o acesso a diversas expressões culturais. Por isso, é importante que esses espaços sejam acessíveis e estejam disponíveis em todas as regiões, por meio de políticas de descentralização cultural, e com programações que atendam aos diferentes públicos e suas demandas culturais.

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Ainda que esses significados e paradigmas estejam em construção nos mais diversos espaços culturais da sociedade, essa perspectiva relaciona-se com o propósito dos museus e suas respectivas exposições e programações culturais.

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A projeção destes paradigmas na realidade dos museus ocorre à medida que a diversidade cultural é valorizada, em razão de atividades e exposições que contemplem a sociedade de forma geral. Nesse sentido, o ciclo da democracia da cultura, bem como, o objetivo da democratização cultural, no âmbito dos museus, devem ser priorizados na sua estrutura.
Considerando isso e a gestão dos espaços museológicos, coloca-se em evidência os museus incorporados às instituições de ensino, cuja relação amplifica a visibilidade e a importância dos espaços que contribuem para a promoção da cultura e da arte.

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Nesse sentido, por exemplo, o Museu Campos Gerais, consiste numa instituição museológica incorporada à Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, no Paraná. A sua condição quanto espaço cultural, abrange acervos documentais, acervos digitais e reservas técnicas, que envolvem a preservação de documentos e bens materiais relacionados a questões culturais, históricas e identitárias sobre Ponta Grossa, os campos gerais e o Brasil.
Essa estrutura que relaciona uma Instituição de Ensino com um ente cultural, fortalece a ideia da democracia da cultura, na qual as relações sociais e suas ramificações desenvolvem e promovem experiências e marcos culturais.

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Nessas circunstâncias, o Museu Campos Gerais incentiva essa articulação, cuja perspectiva pode ser compreendida nas exposições sobre manifestações próprias do estado do Paraná, como por exemplo a exposição intitulada “Povos Paranaenses: Mundo Caiçara” e a exposição sobre Memórias Afetivas e História Regional.

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Além disso, pelo caráter institucional junto à UEPG e por ser uma estrutura gratuita, o Museu incentiva a livre participação da sociedade para aproveitar e apreciar as expressões culturais desenvolvidas no âmbito regional. Sendo assim, passos devem ser dados para fortalecer esse tipo de parceria, valorizando e colocando em destaque as manifestações culturais.

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Referências:

1 BOTELHO, Isaura. As dimensões da cultura e o lugar das políticas culturais. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Vol. 15, n. 2, p.73-83, abr./jun. 2001.

2 LACERDA, Alice Pires. Democratização da cultura x democracia cultural: os Pontos de Cultura enquanto política cultural de formação de público. In: Seminário Internacional Políticas Culturais: teoria e práxis, 2010, Rio de Janeiro. Anais do Seminário Internacional Políticas Culturais: teoria e práxis, 2010. v. 1. p. 1-13.

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*Texto elaborado como requisito avaliativo da disciplina de Direitos Culturais e Desenvolvimento Humano ministrada pelo Prof. Dr. Francisco Humberto Cunha Filho e Prof. Me. José Olímpio Ferreira Neto, no Curso de Especialização em Gestão Cultural da Universidade Estadual do Paraná.

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**Ivana Faustino é administradora e contadora, mestranda em Ciências Contábeis na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é residente técnica em Gestão Cultural no Programa de Pós Graduação da Universidade Estadual do Paraná/UNESPAR.

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***Larissa Lorena de Oliveira é professora de Arte, artista da dança e atriz. Atualmente está como residente técnica Gestão Cultural na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – SETI.Mestre em Dança pela Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR – (PPGARTES), estudante Integrante do grupo de pesquisa em Dança da UNESPAR. Especialização em Arte Cultura e Educação pelo Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR / 2019 -2020). Graduada no curso de licenciatura em Arte na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO-PR 2018).