OS DIREITOS AUTORAIS SÃO OU ESTÃO CONTRA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS?

Luiz Gonzaga Silva Adolfo é um dos principais juristas brasileiros nos campos dos direitos intelectuais. Suas credenciais, de acordo com a Plataforma Lattes, compravam isso:
Possui mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2000); doutorado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2006); e pós-doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2018). Tem experiência de trinta (30) anos em ensino superior, com atuação e experiência docente em pesquisa, extensão, prática jurídica e pós-graduação (em nível de Especialização e Mestrado). Possui experiência em Coordenação de atividades educacionais em ensino superior. É Professor do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Campus Gravataí. Membro da Associação Portuguesa de Direito Intelectual – APDI, da Associação Brasileira de Direito Autoral – ABDA, e desde 2001 ininterruptamente da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), que presidiu na gestão 2010/2012. Segundo Vice-presidente da Comissão de Estágio e de Exame de Ordem da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) para o triênio 2022/2024. Consultor jurídico nas áreas dos Direitos Autorais e da proteção de dados pessoais. É perito credenciado junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul para ações de Propriedade Intelectual. É consultor e parecerista em assuntos de Direitos Intelectuais. Cursa (2021/22) Especialização em Tecnologias Digitais Aplicadas à Educação na Universidade Luterana do Brasil. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito da Propriedade Intelectual, Sociedade da Informação, Direitos Culturais, Direito Civil, Prática Jurídica Cível, Direitos Humanos e Cidadania, Cultura Digital, e Teoria do Direito.
Gonzaga Adolfo está lançando novo livro intitulado “Em Busca da Reforma Perdida”, sobre o qual fala, nesta entrevista ao GEPDC, no contexto de sua vastíssima experiência profissional e acadêmica.
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GEPDC: Quando e por qual razão você despertou para os direitos intelectuais?
GONZAGA ADOLFO: Estava no penúltimo semestre do Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), em 1990/1. Na época havia a chamada “habilitação”, que era elaborada no último semestre. Eu fiz no penúltimo, pois deixei somente o TCC para o último. Naquele tempo, eu trabalhava em uma empresa multinacional de gases industriais e medicinais, a White Martins. Trabalhava muito, muito mesmo. Das 7h30min às 18h30min. Entrava diretamente na aula. Então e porque trabalhava com comércio, eu resolvi fazer a habilitação de Direito Comercial. Uma das cinco disciplinas era Direito da Propriedade Intelectual, ministrada pelo Prof. Dr. Pe. Bruno Jorge Hammes. Padre Bruno, como o chamávamos. Uma das maiores autoridades brasileiras no campo dos Direitos Autorais. Começou aí e pelas mãos do Padre Bruno um amor para o resto da vida, um amor à primeira vista. Comecei a levar matérias da White Martins sobre os Direitos Intelectuais ao Padre Bruno, também matérias que eu selecionava da Folha de São Paulo e da Gazeta Mercantil. Isso gerou uma aproximação. Ele era de origem alemã, bastante rigoroso. Certo dia me disse que faria um Curso preparatório de Professores da disciplina. Assim foi feito. Em julho de 1991 (eu havia colado grau em 12 de abril de 1991), ele fez uma semana inteira em 5 noites de aulas sobre a matéria. Havia 44 interessados, ele fez uma prova e selecionou 18 para este Curso, que foi oferecido pela Unisinos como de extensão. Eu fui um dos selecionados e fiz o curso em 1991/2 e em 1992/1, todos os sábados. Neste momento sim comecei a aprender mais sobre os Direitos Intelectuais, particularmente sobre os Direitos Autorais. No final do Curso cada um deveria apresentar uma pesquisa escrita e oralmente. Eu fiz sobre as “marcas notórias”. O Prof. Hammes selecionou então quatro docentes daqueles 18, entre eles eu. Em agosto de 1992 comecei a lecionar Direito da Propriedade Intelectual na Unisinos.
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GEPDC: Você pesquisou esses temas ao longo de suas formações jurídicas?
GONZAGA ADOLFO: Como respondi acima, pesquisei no último semestre do Curso, na graduação. Depois pesquisei na especialização em Relações Internacionais na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), mas em uma disciplina. No doutorado, foi a vez de aprofundar – e bem – as pesquisa, pois eu fiz a minha tese de doutorado na área, inicialmente sob a orientação do Prof. Bruno Jorge Hammes e posteriormente do Prof. Vicente Paulo Barreto. O Padre Bruno faleceu em 24.12.2004, quando eu iria para a minha qualificação no doutorado. Também no doutorado, já na fase de elaboração da tese, eu tive oportunidade de pesquisar em janeiro e fevereiro de 2006 na Universidade de Lisboa, sob a orientação do Prof. José de Oliveira Ascensão. Daí (lá se vão 16 anos) até hoje, continuo pesquisando nesta temática.
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GEPDC: Como você correlaciona os Direitos Autorais e a sociedade da informação?
GONZAGA ADOLFO: A relação é muito ampla, e de certo modo até dúplice. De um lado, a denominada sociedade da informação significa acesso cada vez maior e mais intenso “ao mundo” (admirável mundo novo) da comunicação instantânea que transformou e muito praticamente todas as áreas de atuação nos últimos anos, e com as criações intelectuais não seria diferente. A sociedade da informação então pode estar relacionada a maior possibilidade de acesso. Num segundo plano, aquele que pode ser denominado o padrão “clássico-conservador” de Direitos Autorais – passando por aquele legislado e pela doutrina tradicional -, não está harmonizado plenamente a esta realidade tecnológica, comunicacional, informacional. Enquanto todo este aparato diz “sim”, a cariz clássica dos Direitos Autorais insiste em afirmar “não”. Há uma dissonância clara aí.
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GEPDC: No seu universo de pesquisa quais são os seus principais referenciais teóricos?
GONZAGA ADOLFO: Como referi na primeira pergunta, inicialmente o meu grande referencial foi o Prof. Bruno Jorge Hammes. Depois e já na elaboração da tese de doutorado tive a oportunidade de pesquisar na Universidade de Lisboa, sob a orientação do Prof. José de Oliveira Ascensão. É o pensador lusitano recentemente falecido um dos maiores exponentes de nossa área, indiscutivelmente. Há também referenciais que são do campo da sociedade da informação, como Manuel Castells e Pierre Lévy. Ainda na esfera dos Direitos Autorais, no Brasil não há como não mencionar e não se embasar na solidez das pesquisas do Prof. Marcos Wachowicz.
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GEPDC: Quais os principais problemas que atualmente permeiam os Direitos Autorais?
Como referi antes, o nó górdio dos Direitos Autorais está em um patamar excessivamente patrimonialista e de certo modo “dissociado do seu tempo”, por laborar ainda na ideia pós-Convenção de Berna “do exemplar”, enquanto na maior parte das obras protegidas ou tuteladas pelos Direitos Autorais esta fundamentação em suporte físico está superada. Por outro lado – e não necessariamente nesta ordem hierárquica -, um erigimento mais clássico-conservador-patrimonialista dos Direitos Autorais pode ao menos em tese inicialmente estar em colisão direta com outros direitos fundamentais, como o direito à educação, o direito à cultura, e o direito à informação. Para mencionar somente três. As limitações aos Direitos Autorais também são inadequadas a esta sociedade da informação. Hoje em número de quatorze no nosso ordenamento não comportam as possibilidades de utilização lícita que seriam plausíveis. Inclusive na crismada “cópia privada” houve retrocesso, pois a Lei de Direitos Autorais de 1973 (n. 5.988) a permitia, enquanto na vigente LDA (n. 9.610) são permitidos apenas cópias de pequenos trechos das obras.
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GEPDC: A busca por soluções para esses problemas animaram você a publicar seu mais recente livro? Fale sobre ele, por favor.
Sim, a exemplo da minha tese de doutorado, defendida em 09 de agosto de 2006 no Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos. Agora, foquei na parte final na necessidade de retomarmos em terra brasilis as iniciativas a ações pela urgente reforma da Lei de Direitos Autorais. Como diz o título da obra, eu continuo “em busca da reforma perdida”, na esperança de que possamos encontrá-la.
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